Sou filho de mãe solteira e preta. Criado pela minha mãe (guerreira do mundo corporativo) e pela minha avó (costureira, que teve que fechar o ateliê para cuidar de mim). Também posso dizer que a minha criação teve a participação da minha madrinha e minha tia (ambas educadoras) e meu tio (que eu acreditava ser meu pai até os meus seis anos de idade).
A presença feminina foi muito forte na minha vida e confesso que tive muitas dificuldades de adaptação social por, sem intenção, ser fora dos padrões de masculinidade. Mas, ao mesmo tempo, cresci livre de ideias machistas ou de descriminação de gênero.
Aos seis anos, quando eu me intriguei com o fato de que chamava de pai o cara que era esposo da minha tia, fui atrás da minha mãe em busca de respostas. E então descobri que eu tinha um pai. As coisas não mudaram muito, mas meu pai (ex-policial militar) garantiu minha bolsa de estudos num colégio militar, onde estudei até minha formação. A ausência paterna continuou da mesma forma e, conforme fui crescendo, as demandas da vida foram pedindo por uma referência masculina, para desde coisas simples, como fazer xixi em pé ou sentado, até os valores da vida de um homem.
Minha mãe, por trabalhar fora, foi superprotetora em relação a minha educação e, diferente das outras crianças, passei boa parte da infância criando, brincando sozinho e assistindo filmes. Essa falta de conhecimento me gerou conflitos de identidade, rejeição e sofri bullying de forma extrema por simplesmente não me interessar por “coisas de menino” como futebol. Porém, faço parte de uma família de mulheres com personalidade muito forte, e aprendi a honrar meus compromissos, respeitar as pessoas e não ter medo dos haters.
Vendo e assistindo todos os dias a garra e determinação da minha mãe em manter nossa família, aprendi o que é ser forte e insistente. Na adolescência, estava certo de que me esforçaria o máximo para retribuir os esforços de todas as minhas mães, porém, quando estava próximo a me formar no colégio, meu pai teve um incidente pessoal e foi exonerado da polícia e eu perdi minha bolsa no colégio.
Minha mãe foi pessoalmente (muito corajosa) falar com o coronel responsável por toda administração da polícia militar. O resultado foi que eu consegui a bolsa de novo e pude não desistir daqueles sonhos. Continuei sendo bolsista na Universidade, cursos e demais formações. Aquela mente fértil de filho único me fez roteirista e criador de filmes, peças de teatro e etc.
Hoje agradeço muito a Deus porque, mesmo com a ausência de referência masculina e todas as suas consequências, me deu excelentes referências: as mulheres da minha vida.
Vinícius Perobeli, 27, é autor e roteirista
Em julho, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) completa 30 anos. E a Compassiva está celebrando esse marco com reflexões, histórias e informações sobre a infância e a adolescência. Leia mais sobre o papel da família no desenvolvimento de cada ser humano, sobre o trabalho infantil e veja uma lista de filmes sobre essas fases da vida.