Dada a falta de compreensão que cerca a atual crise migratória mundial, um dos mitos mais arraigados sobre esta crise se trata de para onde os refugiados acabam indo.
É comum pensar que a maioria dos refugiados estão, ou pelo menos visam chegar, em países europeus. Entretanto, a realidade pode ser surpreendente.
Na verdade, a maior parte dos refugiados está vivendo nos países que fazem fronteira com o seu país de origem.
Atualmente, de acordo com o ACNUR, a maior parte dos refugiados (68%) vem de cinco países. Estes países são: Síria, Afeganistão, Sudão do Sul, Myanmar e Somália.
Assim, os países com a quantidade mais expressiva de pessoas em situação de refúgio são a Turquia (3,5 milhões), seguida de Paquistão (1,4 milhões), Uganda (1,4 milhões), Líbano (1 milhão) e Irã (980 mil).
Esses dados desmistificam o pensamento comum de que o movimento migratório atual é uma ‘crise de refugiados na Europa’ quando, na verdade, 85% do total de refugiados estão em países em desenvolvimento, onde há pouco ou nenhum apoio para o acolhimento deles. Consequentemente, eles se encontram vivendo em extrema pobreza em campos de refugiados.
Muitas vezes, as condições nestes países vizinhos são até mesmo perigosas. Segundo a Human Rights Watch, em 2018, 74% dos refugiados sírios no Líbano não estavam documentados, o que os deixa vulneráveis a detenção, abuso e exploração. Esta vulnerabilidade contribui também para a pobreza e o trabalho infantil, e limita o acesso à educação e assistência médica. Ademais, as autoridades libanesas têm exigido a volta dos refugiados aos seus países de origem, e as municipalidades têm expulsado milhares de refugiados.
Infelizmente, não é incomum os refugiados (que, por definição, são pessoas que se encontram fora do seu país de origem por conta de guerra, violência e perseguição) continuarem encarando ameaças nos países que os abrigam.
Os que embarcam na viagem para a Europa também são forçados a tomar grandes riscos.
Atravessando deserto, floresta e mar, eles têm que enfrentar vários perigos, inclusive abuso físico, abuso sexual e até tráfico de pessoas (para fins de exploração, inclusive escravidão moderna), bem como a simples exposição às intempéries climáticas.
Às vezes, crianças embarcam nesta viagem sozinhas. Elas são ainda mais vulneráveis.
Em 2018, 141.472 migrantes e refugiados chegaram à Europa. 2.277 foram registrados como mortos ou desaparecidos; eles embarcaram na viagem e nunca conseguiram chegar ao destino final.
Isso representa uma redução muito grande comparado a 2015, ano em que 1.032.408 migrantes e refugiados chegaram à Europa (além de 5.096 mortos e desaparecidos).
A Alemanha tem acolhido mais refugiados do que qualquer outro país europeu. Contrariamente à crença popular, é o único país rico entre os dez países que mais receberam refugiados. De acordo com o ACNUR, em 2017, a Alemanha era o lar de 970 mil refugiados.
A integração destas pessoas nem sempre é fácil, e outros países europeus destacam frequentemente que não têm as condições de receber este número de pessoas, criando cotas insuficientes para responder à necessidade, e sistemas burocráticos paralisantes.
Falar de quem deveria acolher determinada quantidade de refugiados é um debate delicado, porque não estamos falando somente de recursos e um suposto choque de culturas; estamos falando de pessoas vítimas de guerra, violência e perseguição que estão em busca de segurança. Estamos falando de uma crise humanitária.
A maioria destas pessoas chegam à Europa pelo Mar Mediterrâneo, chegando à Espanha, Itália e Grécia. O preço desta viagem pode ser não somente financeiro (traficantes aproveitam da vulnerabilidade destas pessoas para lucrar). A superlotação é um problema comum que pode resultar em naufrágio – e tragédia.
Também existem campos de refugiados na Europa, onde as condições também são difíceis e as mesmas ameaças encontradas durante a viagem se repetem. A violência sexual, inclusive contra crianças, por exemplo, é difundida.
Às vezes, a ‘vida melhor’ que existe na imaginação de migrantes e refugiados vulneráveis é exatamente isso: imaginária.
Na França, os campos de refugiados (e migrantes) em Calais e Dunquerque eram notórios.
Mas, em abril de 2017, o campo em Dunquerque queimou até o chão após confrontos entre quadrilhas criminosas que operavam no local. Agora, os refugiados e migrantes que moravam nas instalações dormem em um ginásio e em uma reserva natural.
Em Calais, existia um campo conhecido como a ‘Selva de Calais’.
Depois de vários conflitos entre a polícia francesa e as pessoas que viviam no campo, em outubro de 2016, as autoridades francesas declararam que o local tinha sido esvaziado. A maioria destas pessoas foram levadas a centros de acolhida, mas algumas foram deixadas para trás. Agora elas dormem na floresta, dependentes da ajuda de ONGs locais e constantemente ameaçadas pelas autoridades, que confiscam barracas e sacos de dormir.
É importante destacar que também tem muitas histórias de sucesso na Europa, além de vários exemplos de políticas acolhedoras e movimentos sociais a favor dos refugiados.
Portanto, queremos enfatizar que é simplesmente um mito que a maioria dos refugiados estão na Europa, e que uma vez lá, a vida se torna fácil.
Na Compassiva, temos trabalhado com refugiados que escolheram vir ao Brasil porque o achavam um país acolhedor, mas também com refugiados que não tinham o Brasil como primeira opção.
Temos trabalhado com alguns refugiados que já passaram por campos de refugiados, e que até atravessaram o Mar Mediterrâneo em um barco.
No Brasil, até o final de 2017, havia pouco mais de 10.000 refugiados reconhecidos pelo Ministério da Justiça e 88.007 solicitações em trâmite, número consideravelmente menor do que o encontrado nos países vizinhos, na Europa e até mesmo em outros países das Américas.
Os sírios formavam a maior comunidade de refugiados no país (39%), seguidos pelos congoleses, colombianos, palestinos e paquistaneses.
Também em 2017, a quantidade de venezuelanos chegando em solo brasileiro e solicitando o reconhecimento da condição de refúgio atingiu a marca de 17.865 (mais da metade de todos os pedidos realizados). E a demanda tem crescido; somente entre janeiro e abril de 2018, foram 14.449 solicitações de venezuelanos (19.429 pedidos no total).
Ao todo, os refugiados são representados por 79 nacionalidades presentes em território brasileiro.
Que o Brasil continue garantindo refúgio para pessoas que necessitam.
Junte-se a nós e seja também um agente de acolhimento para refugiados em solo brasileiro, doando aqui.